Em defesa da inutilidade masculina.

 


Existem alguns comportamentos masculinos que estão por trás de muitos conflitos conjugais, familiares e até mesmo no ambiente de trabalho. Dois deles eu observo com certa frequência e vejo como fruto da forma como a sociedade insiste em perceber o homem e as expectativas que ainda existem sobre o papel masculino. São eles:
 

 a necessidade de sempre ter respostas para tudo; 

 a dificuldade para assumir erros. 

Fruto da história contada nos contos de fadas, a necessidade de ser sempre aquele que “salva” as situações (e as donzelas), aquele que sempre sabe o que fazer, acaba por ser cultivada no imaginário dos meninos, além de ser também o que se espera que eles façam quando crescerem. O problema é que nem sempre isso é possível - nenhum ser humano, por mais capacitado e inteligente que seja, terá respostas para todos os problemas e questões que a vida apresenta. E ter que encarar algum desafio que vai além de suas habilidades, para muitos homens causa um desconforto muito grande, podendo leva-lo à sensação de incompetência e inutilidade.

Continuamos acreditando nos contos de fadas?

Por incrível que pareça, apesar de toda a abertura das mentes e mudança nos valores sociais, ainda encontramos relacionamentos afetivos fundados na crença imaginária de que a moça será a princesa em perigo e o rapaz será o príncipe salvador que vai tirá-la de qualquer situação onde haja risco à sua vida, à sua integridade, à sua segurança. E isso é um acordo quase inconsciente de ambos os lados. Digo inconsciente porque nem sempre o casal tem a clareza de suas expectativas sobre o relacionamento a dois, quem dirá de perceber que se trata de uma espera fantasiosa de comportamentos românticos. Desta forma, muitos homens adotam posturas que podem ser consideradas machistas e autoritárias em relação às suas companheiras, amigas ou até mesmo familiares, sob o pretexto, para ele incontestável, de que está no seu dever de cuidar delas e lhes prevenir de vivências das quais elas não serão capazes de se defender sozinhas.

Os homens acreditam que precisam se comportar como heróis.

Muitos homens seguem a vida com essa auto cobrança, funcionando a partir da crença de que todos à sua volta somente irão valorizá-lo a partir da sua capacidade de ser o herói das situações cotidianas. Naturalmente, são poucos os que percebem essa pressão quase invisível sobre si, poucos os que questionam seu papel no mundo e nas relações; a maioria já assumiu um comportamento automático embasado na certeza de que ser homem significa ser a referência, ser o portador da segurança, ser aquele que terá a capacidade para absorver todo tipo de impacto sem tombar.

O problema surge quando a realidade implacável bate à porta com alguma novidade sobre a qual ele não tem o controle, algum enigma indecifrável para seus conhecimentos. Embora seja racionalmente esperado que encontremos nossos limites o tempo todo, a fim de que possamos crescer e ampliar nossa visão de mundo, para aqueles que sofrem dessa síndrome de “dono das respostas” este é um momento particularmente sofrido por lhe colocar frente a frente com o que ele não foi preparado para ser: apenas um ser humano incompleto.

Se sou a solução para os problemas, automaticamente, sou o “dono da razão”.

Oriundo deste dilema está também a outra síndrome, que é a de “dono da razão”. Se um homem foi educado com a certeza e a cobrança de que a ele cabe resolver tudo, é comum que também acredite que a opinião dele sempre será a correta. É daí que aparecem aqueles embates desagradáveis, nos quais o equívoco está estampado para quem quiser ver e aquele que o cometeu passa a se enrolar numa sequência de justificativas, às vezes infundadas, para tentar provar seu ponto de vista e, consequentemente, o fato de estar certo.

Nossa cultura ainda produz princesas desamparadas e príncipes heróis.

Tudo isso, ao meu ver, faz parte do momento de atualização de comportamentos que as gerações estão vivendo, incluindo-se aí a queda das tradições paternalistas que dão lugar a novas formas de viver e se relacionar. No entanto, como toda transição contempla aquele momento desconfortável em que não se tem mais o que se era, porém, não se chegou ainda ao ponto da renovação, os comportamentos considerados retrógrados vão se confrontar frequentemente com os discursos da modernidade. Ainda produzimos, embora em menor escala, princesas desamparadas e príncipes heróis que precisam desesperadamente sentir que possuem alguma utilidade, sobretudo quando o cenário social real apresenta tudo caminhando para a igualdade e auto suficiência feminina. 

Acredito que precisamos insistir em cultivar junto aos nossos meninos o discurso da inutilidade. Não aquela inutilidade que faz com que um indivíduo não se compadeça das necessidades de seu próximo, mas aquela que lhe deixa seguro ao saber que mesmo quando ele não “servir” para nada, não for a solução para nenhum problema, não conseguir pensar numa saída para os desafios à sua volta, ainda assim continuará sendo amado por seus familiares, por seus amigos, pela mulher com quem ele escolheu viver. Esta é a forma mais autêntica de amor incondicional – quando você não é a solução para nada na vida de alguém e mesmo assim ela te quer por perto pelo simples fato de você ser quem você é. 

 

 

 

 

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