As perdas que a solidariedade não devolve.
Porque recomeçar é preciso! |
Mês de Janeiro em Belo
Horizonte, desde que me conheço por gente, é tempo de instabilidade pluvial. As
chuvas de verão começam perto do Natal, se estendem pelos primeiros dias do Ano
Novo, e o que era para ser apenas a limpeza simbólica dos resíduos do que
deixamos para traz no ano velho, torna-se motivo de angústia e preocupação,
principalmente para quem vive em áreas de risco.
Assim, o que era para ser
começo se transforma em final, quando geografia, políticas públicas e educação
do povo criam um cenário propício para alagamento de rios, desabamento de
encostas e entupimento de bueiros. Como
resultado, Janeiro se apresenta como um mês em que o sentimento cristão
aflorado em Dezembro dá espaço para a mobilização social em atos de solidariedade
para com aqueles que perdem suas casas, seus móveis, seus entes queridos e às
vezes até suas referências. O que mais ouvimos dizer é que os bens materiais
são o que menos importam, pois esses, se temos saúde, adquirimos de novo. As
vidas perdidas é o que mais dói, pois não há como ser recuperadas.
E as perdas sentimentais?
Impossível discordar deste
raciocínio, mas eu gostaria de chamar a atenção para outro nível de perda que
também não há solidariedade que devolva. Falo dos bens intangíveis, daqueles
que tem valor sentimental, daqueles que contam a história de uma família e que
determinam sua identidade.
Quando ocorrem tragédias desta
natureza a comoção geral toma conta dos noticiários, se transforma em cobranças
aos órgãos públicos e afetam emocionalmente grupos humanitários provocando uma
corrida por salvamentos, alojamentos para aqueles que perderam suas casas,
prevenção a doenças e reabastecimento de alimentos. No entanto, chega uma hora
que as chuvas passam, outras notícias ganham a atenção da população e a vida
volta ao normal. Mas... o que é esse normal para quem foi atingido por
enchentes, deslizamentos, rompimentos de barragens e outros acidentes
envolvendo a natureza?
Há um lugar onde a
solidariedade não entra
É preciso entender que outra
TV, geladeira, outras camas e tudo o mais que compõe uma casa podem ser doados
às vítimas. Porém, os cheiros que caracterizavam a rotina daquelas pessoas
ficará perdido por muito tempo, sendo substituído por outro que vai ficar
impregnado nas paredes rachadas e manchadas pela lama. Algumas casas serão
interditadas e isso fará com que colegas de infância se percam para sempre com
o distanciamento de suas residências, restando apenas a lembrança e a saudade
das brincadeiras de bola nas tardes de domingo no campo que foi inundado.
Roupas limpas chegarão, mas o vestido que a própria mãe confeccionou para a
formatura da filha, ocorrida no último Dezembro, esse nunca mais será usado e
por sorte ainda poderá ser contemplado nas fotos digitais que não deu tempo
de imprimir no intervalo entre as festas de fim de ano e a mudança completa da
vida no início de Janeiro. Já o álbum de casamento, o álbum das crianças com
fotos que contam uma história de amor, esses a água destruiu.
Janeiro Branco. Ou será
Janeiro marrom?
Janeiro também é dedicado à
conscientização da importância da saúde mental. E como fica a mente de quem
perdeu tudo, inclusive suas referências afetivas mais queridas? Experiências
como estas colocam à prova a estrutura emocional de qualquer um e nos deixa o
alerta sobre um outro tipo de doação que precisamos incluir na lista de itens a
serem arrecadados – a escuta.
A dor fortalece a capacidade
de superação e se torna ingrediente para a reconstrução da vida, no entanto, os
impactos iniciais podem ser paralisantes e exigir ferramentas psicológicas das
quais nem todos são dotados. Por isso a lágrima e a palavra são muito bem
vindos para ajudar a sustentar o equilíbrio mental e não permitir que também a
esperança seja levada pelas águas.
Que possamos doar nosso ombro
amigo, nossos ouvidos e nossa sensibilidade a todos aqueles que a cada Janeiro
vivem a ameaça de ter que, literalmente, recomeçar. E que eles possam ter
sabedoria, força e fé para acreditar que tudo aquilo que foi levado embora era
para abrir espaço para o que de melhor está por vir.
@elienelima.psi
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