Eu decidi olhar para o papel do pai!
“Penso, logo existo!”
Esta famosa frase pode ser
encontrada no livro “O discurso do método”, publicado no século XVII pelo
filósofo francês René Descartes. Ao longo desta obra o autor cuidadosamente
aponta seu ceticismo em relação a toda a sabedoria difundida até então, exceto
quanto à existência humana, única verdade que, para ele, não poderia ser
questionada. Entretanto, anos depois Freud reformula esse pensamento filosófico,
afirmando justamente que “Existo onde não penso”, ao apresentar a ideia
de que temos uma parte inconsciente no nosso psiquismo que é onde se reside a
maior parte das informações que compõem nosso verdadeiro eu.
O que temos aqui? Filosofia
e psicologia se esforçando para dar respostas sobre nossa identidade, sobre
quem somos e, inclusive, abrindo espaço para duvidarmos daquilo que acreditamos
ser as verdades sobre nós.
Sou onde não me penso. Onde eu me penso, não sou.
Mas, afinal, quem somos
nós? Quem é você?
Inacreditável que haja
alguém que nunca se fez essa pergunta. Entretanto, o mais comum é nos darmos
respostas que nos caracterizem como seres sociais – temos um nome, um
sobrenome, um endereço, uma profissão, somos filhos de alguém, pais de alguém,
e tantos outros papeis que representamos na sociedade.
E essas respostas, de
fato, nos levam a saber quem somos nós?
Para os psicanalistas
Freud e Lacan, elas nos mostrarão simplesmente a ponta do iceberg, apenas a
parcela de nós que fica exposta para o mundo, pois nossa verdadeira essência
reside em espaços ocultos e, para a maioria das pessoas, dificilmente
acessáveis sem ajuda especializada. E é neste lugar onde sequer consigo me
pensar que EU sou de verdade. Aquilo de que normalmente temos consciência sobre
nós, geralmente são apenas papeis que fomos convidados a assumir ao longo de
nossa existência.
O desejo de ser aceito no induz a introjetar os papeis.
Para o sociólogo Peter Berger (1989),
papel social diz respeito a respostas tipificadas que aprendemos a dar diante
de expectativas que as pessoas direcionam a nós desde que passamos a existir.
Nesse sentido, nossa liberdade de escolha sobre o que queremos ser se torna
bastante limitada, uma vez que o script definido para cada papel diz respeito a
uma padronização que antecede nosso nascimento. Tão logo nossa existência é
anunciada assumimos o papel de filho, e também o de neto, podendo se estender
para o de irmão, sobrinho, primo, a depender da estrutura da família que irá
nos receber.
Para cada papel existem atribuições, somos
ensinados a cumpri-las, e passamos a desejar cumpri-las, pois faz parte da
natureza humana o desejo de ser aceito. A repetição, portanto, é uma
característica da dinâmica social que se inicia em família, por meio da
transmissão de comportamentos culturalmente forjados e que costumamos carregar
conosco pela vida afora e nos encarregando de cumprir nossa parte no pacto da
retransmissão.
Os exemplos são passíveis de ser copiados: quais você está reproduzindo?
De geração a geração, de pais para
filhos, os exemplos de equilíbrio e vida salutar são ensinados, geralmente até
sem que se perceba, assim como também os são os modelos de relações doentias.
Filhos de pais ausentes, ou pais agressivos, ou pais afetivamente abandônicos,
correm um sério risco de ver sua prole reproduzir exatamente o que receberam,
fazendo aumentar uma bola de neve de relacionamentos familiares desestruturados.
Precisamos de olhares mais atentos para
as famílias. Precisamos questionar nossos modelos. Precisamos refletir sobre os
papeis que representamos. Eu, particularmente, me preocupo com a paternidade
por entender que quando esse papel não é bem exercido, uma família pode vir a
entregar para a sociedade indivíduos inseguros, desestruturados emocionalmente,
com deficiência na aprendizagem e muitos outros problemas que podem se
manifestar até mesmo nos comportamentos delinquentes e criminosos. A imposição
de limites e a busca por orientação são necessidades que toda criança tem e que
precisa ser atendida, sob pena de partir para campos externos ao ambiente
doméstico com atitudes que servem justamente a esse objetivo: me digam até onde
posso ir! Me digam como devo proceder! E esse aprendizado, se não vem pelo
amor, pode vir pela dor.
Já parou para pensar nos modelos que anda
repetindo? E se aquelas críticas que você faz aos seus pais servirem também
para você? Talvez esteja na hora de matar essa “bola de neve” no peito e impedi-la
de crescer ainda mais.
E não hesite em pedir ajuda, pois é bem
provável que você irá precisar.
@elienelima.psi
www.elienelima.com.br
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